1 SOLDAGEM DE TUBULAÇÃO DE AÇO INOXIDÁVEL DUPLEX UNS S31803 PELO
PROCESSO DE ARCO SUBMERSO

2 - Guttemberg Chagas de Souza / 3 - Juan Manuel Pardal / 4 - Sérgio Souto Maior Tavares / 5 - Maria P. Cindra Fonseca /
6 - Omar Abou Samra Filho / 7 - Leandro Mansur Martins

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Resumo

O presente trabalho apresenta os resultados da caracterização de uma junta soldada correspondente a uma tubulação de aço inoxidável duplex (AID) UNS S31803 de 35mm de espessura, soldada pelos processos de soldagem TIG (GTAW) na raiz e arco submerso (SAW) no enchimento e acabamento, empregando como consumíveis de soldagem uma liga de composição 25Cr-9Ni-4Mo. Os resultados da caracterização das propriedades mecânicas, composição química e microestrutura em diversas regiões da junta soldada foram comparadas com os obtidos para o metal de base da tubulação, assim como com os valores mínimos exigidos pelas normas de projeto. Este trabalho apresenta grande relevância para a soldagem de tubulações de paredes espessas desta família de aço inoxidáveis, o que constitui atualmente uma grande demanda na área de construção e montagem de tubulações da indústria offshore.

Palavras chave: Aços inoxidáveis duplex, Soldagem, Propriedades mecânicas.

WELD DUPLEX STAINLESS STEEL UNS S31803 PIPE BY SUBMERGED ARC WELDING


Abstract

This work presents the characterization results of a welded joint of a duplex stainless steel pipe (DSS) UNS S31803 of 34,93mm thickness. The pipe was welded by GTAW in the root passes and SAW in the filling and finishing passes using filling metals with composition 25Cr-9Ni-4Mo. The results of the mechanical properties, chemical composition and microstructural characterization in different regions of the welded joint were compared to the base metal properties and also to the minimum values required by the standards applied in the project. The results obtained in this work is of great relevance to the welding of thick wall tubes of duplex stainless steels, which are extensively used in the in the construction and assembly of pipes in the offshore industry.
Key-words: Duplex stainless steel, Welding, Mechanical properties.

1 65o Congresso Anual da ABM, Rio de Janeiro, Julho/2010.
2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFF.
3 Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica UFF.
4 Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFF.
5 Professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da UFF.
6 Engenheiro de Materiais da Böhler Técnica de Soldagem Ltda
7 Aluno de Graduação do Departamento de Engenharia Mecânica da UFF.


1 INTRODUÇÃO

Os aços inoxidáveis duplex (AID) possuem atualmente uma vasta aplicabilidade na construção e montagem de componentes na indústria offshore, destacando-se pelos altos valores de resistência mecânica e resistência à corrosão por pites(1-2). Estas características são devidas à sua microestrutura bifásica composta por quantidades semelhantes de austenita ( ) e ferrita ( ) e aos elementos de liga Cr, Mo e N(3). Para a soldagem de tubulações, nesta família de aços inoxidáveis, é muito empregado o processo de soldagem TIG (GTAW), entretanto, no caso de tubulações de paredes espessas este processo torna-se pouco produtivo. O processo GTAW é muito utilizado na soldagem dos aços duplex, pois a soldagem destes aços inoxidáveis é uma operação que exige grandes cuidados, principalmente quando não se pode realizar um tratamento térmico de solubilização posterior. Como estes aços solidificam com uma microestrutura 100% ferrítica e a austenita somente surge por difusão no resfriamento abaixo de 1250-1300ºC, uma velocidade de resfriamento muito rápida conduz a uma microestrutura preponderantemente ferrítica, contendo nitretos de cromo (Cr2N) dispersos nesta fase. Por outro lado, um resfriamento muito lento pode promover a formação das fases intermetálicas e que atuam em detrimento da resistência mecânica e à corrosão. Ambas as formas de desbalanço microestrutural devem ser evitadas na soldagem dos aços duplex. Para que não ocorra um teor excessivamente elevado de ferrita as medidas usuais são: a utilização de metal de adição mais rico em Ni, utilização de gás de proteção Ar com adição de 1 a 3% de N e controle do aporte de calor para que não seja muito baixo. Para se evitar a precipitação de fases deletérias, a principal medida é o controle do aporte de calor, evitando que seja excessivamente alto. Neste sentido, recomendase um aporte térmico entre 0,5kJ/mm e 2,5kJ/mm para a soldagem de aços duplex e entre 0,2kJ/mm e 1,5kJ/mm para os aços inoxidáveis superduplex (AISD)(4).

Neste contexto, alguns trabalhos(5-7) avaliaram as propriedades e a caracterização de juntas soldadas pelo processo de arco submerso (SAW). Nowacki e Rybicki(5) analisaram a influência do aporte de calor na taxa de defeitos produzidos em uma junta de topo de AID UNS S31803, enquanto que Sieurin e Sandström(6) estabeleceram um método para descrever a taxa de resfriamento e a reformação de austenita, avaliando também a mecânica da fratura e tenacidade ao impacto(7) em juntas soldadas de chapas grossas de AID.

O presente trabalho tem como objetivo avaliar a soldagem de uma tubulação de (AID UNS S31803) pelo processo de arco submerso (SAW), utilizando arames AISD. A importância da implementação e utilização deste processo nesta família de aços inoxidáveis visa aumentar a produtividade na soldagem de tubulações espessas na indústria de construção e montagem na área offshore.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Neste trabalho, foi realizada a soldagem de uma tubulação de AID UNS S31803 pelos processos TIG (GTAW) na raiz e arco submerso (SAW) no enchimento e acabamento, respectivamente. A geometria e dimensões do bisel empregado são apresentadas na Figura 1(8), onde a abertura da junta utilizada foi de 5mm.



As características do material utilizado estão descritas na Tabela 1, assim como na Tabela 2 são apresentadas as composições químicas dos materiais de estudo, observando-se que os consumíveis para soldagem correspondem à classificação de aços inoxidáveis superduplex (AISD). Os eletrodos utilizados foram da marca BTS THERMANIT 25/09 CuT da Böehler, com diâmetro de bitola 3,2 e 2,4 mm para os processos GTAW e SAW, respectivamente. No caso do processo SAW foi utilizado fluxo marca MARATHON 431 da Böehler. Para o processo GTAW foi utilizado como gás de proteção na tocha e na raiz da solda uma mistura contendo 97,5% Ar +2,5%N, com vazões de 14 e 20 l/m, respectivamente. As polaridades empregadas foram CC- e CC+, para os processos GTAW e SAW, nessa ordem. As temperaturas interpasses máximas foram 50ºC para o processo GTAW e 125ºC para o processo SAW. A Tabela 3 exibe os valores de tensão, corrente, velocidade de avanço e aporte térmico, para cada passe durante a soldagem da tubulação, como apresentada na Figura 2 durante a realização do processo SAW.






Figura 2. Realização da soldagem de enchimento na tubulação pelo processo SAW.



Ao término da soldagem e antes da realização dos ensaios mecânicos foi realizado o ensaio radiográfico através da técnica de PD/VS (parede dupla/vista simples), objetivando avaliar o atendimento do cordão de solda aos requisitos estabelecidos pela norma de projeto(8).

Ensaios de tração foram realizados à temperatura ambiente, segundo especificações da ASME IX(9), para corpos de prova (cps) extraídos transversalmente à junta soldada, assim como a partir do metal de solda depositado. Foram efetuados ensaios de dobramento lateral a 180º empregando-se cutelo com diâmetro de 40 mm, conforme ASME IX(9).

Avaliou-se a tenacidade ao impacto fazendo uso de um pêndulo universal Charpy à temperatura de -46ºC em 24 cps de tamanho padronizado de 55x10x10 mm(10). Os cps foram retirados transversalmente na junta soldada a 2mm da superfície da raiz e do enchimento. O entalhe, tal como apresentado na Figura 3, realizou-se no centro do metal de solda (CMS), na zona de ligação ou linha de fusão (LF) e a 2 e 5mm da LF na direção da ZTA, totalizando 3 cps por cada condição, tal como exigido pela norma SBM SPF92033A1(11).



Foram realizadas medições de dureza Vickers ao longo da seção transversal da face da junta soldada de modo de obter valores desta propriedade para o metal de solda (MS) e zona termicamente afetada (ZTA), em comparação com o metal de base (MB). O ensaio de dureza foi precedido de uma análise macrográfica da junta soldada, preparada através de lixamento convencional até lixa 400, com posterior ataque eletrolítico através de solução aquosa de ácido oxálico a 10%.

A análise metalográfica foi realizada em um microscópio ótico, avaliando as microestruturas do metal de solda, atacadas com o reagente Beraha e KOH(2). As quantificações das fases e em diferentes regiões do metal de solda foram realizadas através do programa Image Tools v.3.0(12), com média de 20 imagens por região e com diferentes aumentos metalográficos.

O teor de N2 foi avaliado em diversas regiões da junta via instrumental, na ArcelorMittal Inox Brasil S.A. (ex-ACESITA) mediante a retirada com uso de furadeira radial de 1g de cavaco, no metal de base (MB), na raiz (MSGTAW), na região central do metal de solda (MSSAW) e na zona do metal solda próxima da zona de ligação (MSSAWD), tal como mostrado na Figura 4(a) e (b).



3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 5 apresenta a macrografia da seção transversal da junta analisada denotando-se claramente cada cordão de solda depositado. Na análise não foi evidenciada a falta de fusão e penetração do metal de solda. No entanto, foi observada a presença de pequenas porosidades no metal de solda, fato que também foi corroborado através de exame radiográfico, porém este tipo de descontinuidade, em pequenas quantidades, resultou em uma avaliação satisfatória(8).


Figura 5. Macrografia da junta soldada.


A Tabela 4 apresenta os valores de limite de resistência (σLR) obtidos durante o ensaio de cps retirados transversalmente à junta soldada. Os valores de σLR encontram-se acima dos valores especificados na literatura (13) e pela norma SBM SPF920872A(14) para o AID UNS S31803. Salienta-se que a fratura, em ambos cps ensaiados, ocorreu no metal base (MB), tal como verificado na Figura 8(a). Na figura 8(b) se observa claramente sinais de deformação plástica, além de um aspecto fosco da superfície de fratura. Estes fatos indicam fratura do tipo dúctil, originada pelo coalescimento de microcavidades.



Na Tabela 5 se destacam os valores das propriedades mecânicas resultantes do cp do metal de solda. Ressalta-se que os valores de limite de escoamento (σE), de resistência (σLR) e alongamento (%) encontram-se acima dos valores especificados para metais de solda contendo 25Cr-9Ni-4Mo segundo DIN EN12072(15).



A Tabela 6 mostra os resultados obtidos após os ensaios de dobramento lateral, onde três cps não apresentaram descontinuidade alguma. Porém, em um deles, denotou-se a presença de uma descontinuidade com 2,5mm de comprimento. Esta descontinuidade foi considerada como admissível pelos critérios da norma ASME IX(9). A Figura 9 (a) apresenta a realização do ensaio em um dos cps, assim como a figura 9 (b), mostra a superfície dos 4 cps sem a decoesão do cordão de solda após o ensaio.





A Figura 10 mostra a seção transversal da junta soldada, exibindo 4 perfis de medição de dureza identificados como GTAW, SAW 1, SAW 2 e SAW 3, respectivamente. As Figuras 11 e 12 apresentam os valores levantados para cada perfil, denotando-se claramente, em todos os casos, que os valores de dureza do MS são maiores aos medidos na ZTA e MB. Este fato, além de ser característica no MS de juntas soldadas, é atribuído à utilização de consumível de AISD que possui maiores valores de resistência mecânica se comparado ao AID, principalmente devido ao efeito por endurecimento por solução sólida da liga. Cabe destacar que os valores de dureza no MS encontraram-se abaixo do valor limite de 318HV especificado pela SBM SPF92033A1(11) para sistemas contendo hidrocarbonetos, assim como 350HV para outros sistemas, tais como, sistemas contendo água do mar.





A Figura 13 mostra os valores de energia ao impacto Charpy obtidos nas regiões identificadas na Figura 3 para cada cp. Os valores obtidos encontram-se acima dos valores médios mínimos exigidos pela norma Norsok M 601(16) e da norma SBM SPF920872A(14). A Tabela 7 apresenta todos os valores obtidos em cada ensaio.



A Figura 14 apresenta a microestrutura característica do MB atacada pelo reagente Beraha. Este ataque é propício para uma boa distinção entre as fases (escura) e (clara), onde a quantificação de fases foi aproximadamente de 49% de ferrita ( ). O ataque eletrolítico, com o regente de KOH, não revelou a presença de fases deletérias no MB.

A Figura 15(a) exibe a microestrutura do metal de solda (MS) na raiz e, na Figura 15 (b) se observa a linha de fusão ou zona de ligação mostrando claramente a ZTA da junta nesta região. A quantificação de fases do MS na raiz foi de aproximadamente 42% de . A Figura 16(a) apresenta a microestrutura do metal de solda (MS) no enchimento, e na Figura 16(b) se evidencia a linha de fusão mostrando claramente a ZTA da junta nesta região. A quantificação de fases no enchimento do MS foi de aproximadamente 42% de . Em ambos os casos o percentual de no MS estão de acordo com os valores admissíveis especificados pelas normas(11, 16).



Em relação à precipitação de fases deletérias, o critério de aceitação da norma Norsok M 601(16) estabelece que a presença de fases deletérias não exceda o valor de 0,5% utilizando 400X. Em algumas das amostras analisadas foram identificados traços ínfimos de fases deletérias, não excedendo de maneira alguma os valores especificados(16). No entanto, fazendo uso de grandes aumentos, a Figura 17(a) denota a presença de pequenos precipitados de fase e Cr2N, menores que 3m, na ZTA da raiz. Por outro lado, a figura 17(b) mostra a presença de uma colônia de Cr2N no enchimento do MS.



A Tabela 8 exibe os valores de percentual em peso de nitrogênio obtidos tanto no MB, MSGTAW, MSSAW e MSSAWD, respectivamente.



Os teores de nitrogênio contidos no metal de solda são maiores, em relação ao metal de base. Nota-se que na análise efetuada no centro do cordão depositado pelo processo SAW (MSAS), onde a diluição é desprezível, o valor é bem maior do que aquele obtido próximo à zona de ligação (MSASD) devido à forte influência da diluição com o metal de base pela aplicação do processo SAW. Conclui-se, portanto, que apesar dos consumíveis utilizados corresponderem às designações de AISD, o metal depositado possui teores de nitrogênio maiores do que o metal de base. Deste modo, as propriedades mecânicas e resistência à corrosão do metal de solda ficam beneficiadas pela presença deste elemento, quando dissolvido em solução sólida.

CONCLUSÕES

Neste trabalho foi realizada satisfatoriamente a soldagem de uma tubulação de AID UNS S31803 pelos processos GTAW na raiz e SAW no enchimento e acabamento, respectivamente. A caracterização da junta soldada permite as seguintes conclusões:

Foi percebida a presença de pequenas porosidades no metal de solda, fato corroborado através exame radiográfico, porém este tipo de descontinuidade se apresentou em pequenas quantidades resultando em uma avaliação satisfatória pela ASME B31.3(8).

Os resultados dos ensaios de tração em cps obtidos transversalmente à junta soldada tiveram resultado satisfatórios, assim como daquele cp obtido a partir do metal de solda.

No ensaio de dobramento somente um cp apresentou uma descontinuidade com 2,5mm de comprimento, no entanto, esta descontinuidade foi considerada admissível pela norma ASME-IX(9).

Os perfis de dureza levantados na seção transversal da junta soldada tiveram, em todos os casos, valores de dureza maiores do MS aos medidos na ZTA e MB. Os valores de dureza no MS encontraram-se abaixo do valor limite máximo proposto pela norma SBM SPF92033A1(11) para diferentes condições de serviço da tubulação.

Os valores de tenacidade ao impacto medidos em todos os casos estão acima dos valores médios mínimos exigidos pela norma Norsok M 601(16) e da norma SBM SPF920872A (14).

Os valores de proporção de fases na matriz e no MS na raiz e enchimento estão de acordo com os valores admissíveis especificados pelas normas(11, 16).

Em algumas das amostras analisadas pela utilização do reagente de KOH foram identificados traços ínfimos de fases deletérias, não excedendo de maneira alguma os valores especificados pela norma Norsok M 601(16).

Fazendo uso de grandes aumentos denotou-se a presença de pequenos precipitados de fase e de Cr2N menores a 3m na ZTA da raiz. A presença de pequenas colônias de Cr2N no MS do enchimento foi também detectada.

O teor de nitrogênio do metal depositado possui valores percentuais maiores do que o metal de base. Deste modo, as propriedades mecânicas e resistência à corrosão do metal de solda ficam beneficiadas pela presença deste elemento, quando dissolvido em solução sólida.

Agradecimentos

Os autores agradecem à empresa UTC Engenharia pelo suporte na realização deste trabalho e à empresa Böhler Técnica de Soldagem pelo fornecimento dos consumíveis de soldagem.

REFERÊNCIAS

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